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Mais do que uma dor de cabeça frequente em gestores e educadores e tema de infindáveis discussões no nosso núcleo familiar, a distração tem sido o comportamento mais comum que temos observado nos diferentes ambientes nos quais convivemos. E pior: vem trazendo inúmeros prejuízos às diversas relações do disperso.

 

Não é novidade que a dispersão vem trazendo sérios prejuízos nas mais variadas relações e ambientes. Em casa, a distração tem sido responsável por uma divisão dos membros familiares, pois cada um se envolve em seu centro de interesse, e o que é mais precioso – “a comunhão” – torna-se cada vez mais distante.

O dicionário define distração como “falta de concentração dos sentidos no que se passa à volta; desatenção”.

Atualmente, não podemos falar sobre distração sem associarmos o tema ao uso inadequado da tecnologia: computador, notebook, tablet, smartphone.

Há um bombardeamento de informações e possibilidades em um aparelho tão pequeno e é difícil gerenciar isso com tanta disputa pela nossa atenção e dos nossos.

Além disso, muitas vezes, cria-se uma “dependência” desses objetos, e isso reflete também na maneira como as pessoas se relacionam, priorizando o contato virtual, instantâneo.

Inicialmente, isso estava mais presente em adolescentes e jovens, mas, hoje em dia, nas mais diferentes faixas etárias, há um desejo incontrolável de, a todo instante, consumir algum conteúdo virtual.

Consequentemente, o comportamento das pessoas vem sofrendo alterações nesses moldes da modernidade. Já percebemos uma postura corporal muito semelhante nos ambientes sociais, pois quase todos estão com a cabeça baixa, olhando de maneira direta para seus celulares.

Nós temos sido roubados e sem nenhuma resistência!

 

OQUE PERDEMOS COM ESSA ININTERRUPTA COMUNICAÇÃO VIRTUAL?

Os relacionamentos ficam condicionados a respostas monossilábicas e sem nenhuma emoção. Estamos ao mesmo tempo aqui e lá. As crianças clamam pela atenção dos pais e, frequentemente, não conseguem alcançá-la.

Nessa disputa entre o real e o on-line, quase sempre o conteúdo virtual, ou seja, o que está em nossas mãos, por meio do celular e outros aparelhos, parece mais atraente e prende mais a nossa atenção do que o contato interpessoal com nossos familiares.

Como modelos para os filhos, os pais trazem a tecnologia para muito perto das crianças e estas, cada vez mais cedo, têm acesso a esse universo de informações.

Elas passam horas vendo desenhos ou jogando em seus dispositivos eletrônicos. Nesse contexto, as crianças brincam menos, desfrutam pouco, às vezes quase nada, da alegria de compartilhar suas descobertas com os pais, por eles estarem sempre atentos demais olhando para uma tela.

No trabalho formal é difícil estabelecer limites para que os funcionários não percam o foco por conta dos grupos de aplicativo de celular e outras redes sociais. No mundo corporativo, as pessoas preferem digitar a falar pessoalmente ou levantar do seu lugar para resolver as situações importantes.

 

E quais as consequências dessa distração que desagrega?

A saúde é atingida, trazendo o corpo para o caminho do sedentarismo, uma vez que o único movimento executado por ele é o mental e ocular. O sedentarismo é uma arma silenciosa, mas muito potente e que vai erradicando a qualidade de vida da pessoa.

Nas ruas, tem crescido o número de acidentes de trânsito; a distração ao volante por uso do celular já é comparável aos acidentes por ingestão de bebida alcoólica.

Além disso, conforme já dito, os diálogos e trocas ficam em segundo plano.

O agravante desse cenário é que estamos preparando uma geração de pessoas pouco afetivas.

 

Se tudo parece girar em torno da solução rápida e instantânea, onde fica o afeto?

O afeto fica para segundo plano em detrimento da “praticidade”, coisa que prejudica a educação de uma criança no ambiente escolar, por exemplo.

Quando uma criança entra na escola, ela estabelece uma nova rotina e, aos poucos, entende seu papel. Percebe rapidamente que o conteúdo apresentado vem de pessoas que agora ela conhece, admira e convive (professores, auxiliares educacionais, orientadoras, secretárias, coordenadora, diretora, entre outras). Desse modo, o afeto torna-se o canal de aproximação e significado para esse conteúdo diariamente absorvido.

Piaget, em seu livro, Problemas de Psicologia Genética, afirma que:

“Os sentimentos e as operações intelectuais não constituem duas realidades separadas e sim dois aspectos complementares de toda a realidade psíquica, pois o pensamento é sempre acompanhado de uma tonalidade e significado afetivo, portanto, a afetividade e a cognição são indissociáveis na sua origem e evolução, constituindo os dois aspectos complementares de qualquer conduta humana, já que em toda atividade há um aspecto afetivo e um aspecto cognitivo ou inteligente” (PIAGET, 1983, p. 234)«.

Logo, não há aprendizagem e não há construção de mentes sadias sem afeto. E afeto e sede pelas informações virtuais, infelizmente, não podem coexistir.

E como tornar esse núcleo familiar mais afetuoso?

Não podemos perder de vista a riqueza associada à vivência familiar, na qual a criança experimenta as maiores conquistas no que tange à formação de seu caráter. No afeto familiar construímos um conteúdo de vida que levamos em nossa bagagem pessoal e sustenta o que posteriormente virá a ser vocação, escolha profissional, enfim, nosso papel de cidadãos do mundo.

Por isso, largar os aparelhos e buscar sempre efetuar uma escuta efetiva, além de dar atenção ao dito pelos nossos filhos, são medidas urgentes e que merecem a nossa atenção.

Se a distração não for combatida de forma intensa, não seremos capazes de perceber o que de fato as crianças precisam para que seu desenvolvimento seja pleno, eficaz, feliz e repleto de significado.

Assim, concluímos que a rede social mais importante que temos é a nossa família e, portanto, não devemos nos distrair dela em detrimento de outros apelos virtuais.

 

 

Keila Frassei

Psicóloga e Pedagoga
Orientadora Educacional do Mackenzie Tamboré

Revista Veredas Educacionais – maio/ 2019