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Por mais que os processos educacionais, hoje, sejam cada mais pensados e repensados para acompanhar a quarta revolução industrial e seus desafios, cabe discutir como a arquitetura pode tornar os processos de ensino-aprendizagem muito mais atraentes.

 

Quando eu era criança, ficava encantada ao assistir o desenho animado “Os Jetsons”. A história se passava no futuro, onde uma família vivia seu dia-a-dia em meio a carros voadores, trabalhadores robôs, máquinas de comida instantânea, dentre outros. E não é que tudo isso se tornou possível?

Segundo a Professora Ísis Lima, neurocientista pela UFMG, em recente publicação, “no final do século XVIII, foi a máquina a vapor. E agora, século XXI, as neurociências, neuroarquitetura, robótica, biotecnologia, cloud/brain e impressoras 3D biológicas serão as responsáveis por uma mudança exponencial do processamento mental humano. E têm-se um nome para isso: a quarta revolução industrial, marcada pela convergência de tecnologias digitais e biológicas, fundindo-se softwares com o sistema nervoso.”

A Base Nacional Comum Curricular, implantada em 2018 pelo Ministério da Educação, destaca a necessidade de ações educacionais específicas, que se estendam na atenção às múltiplas inteligências por áreas de competências e ambiente favorável à aprendizagem.

No artigo científico, ano 2019, intitulado A Arquitetura escolar como agente Transformador no ensino, Natália Nascimento e Camila Rodrigues afirmam que se “fazendo um balanço do século XX, a instituição escolar e a pedagogia pouco se modificaram comparando-se com os inúmeros avanços e descobertas ocorridas em outras áreas de conhecimento, como a psicanálise, a neurociência, a genética, a semiótica, por exemplo”.

 

Arquitetura escolar pós-COVID

 Devido ao período que enfrentamos de pandemia, causada pelo Coronavírus (COVID-19), as escolas serão desafiadas a uma nova arquitetura inteligente e adaptada, nova forma de se vestir, redução do toque físico, nova forma de aprendizagem, aceleração de adaptação digital e novas compensações emocionais. Isso sem mencionar os novos objetivos de gestão e administração, devido à enorme evasão escolar.

Vivemos um cenário onde muitas famílias já consideram o ano letivo como “perdido” e o impacto social, como o desemprego, já reflete em todos os setores sociais, inclusive no escolar.

O retorno as aulas presenciais tornou-se mais um desafio a ser encarado. Será que um vírus nos levará a concretizar abruptamente a mudança ambiental e tecnológica digital a qual caminhávamos? Uma coisa é certa: o retorno não será de onde paramos e talvez seja esse o momento ideal para uma mudança significativa na implantação, não apenas de ações educacionais específicas, mas de ambientes favoráveis à aprendizagem.

Podemos enxergar o momento atual como um impulso a mudanças efetivas, positivas e duradouras nos sistemas educacionais, a começar pela valorização do árduo trabalho dos professores, como grandes gestores e mentores da aprendizagem. É unânime e compreensível, o descontentamento e estresse das famílias, na tentativa de administrar o tempo entre tarefas domésticas, home office e homeschooling, em meio a plataformas online, reuniões online, e-mails e ligações.

É certo que as instituições terão que adotar medidas de incentivo a novos hábitos, como; lavar as mãos regulamente, uso de álcool gel, distanciamento entre pessoas e ventilação natural. Mas, sobretudo, deverão se preparar para os desafios relacionados ao impacto emocional e psicossomático.

 

Design biofílico

Uma medida simples para lidar com o estresse e ansiedade é o uso do design biofílico, ou seja, o uso de elementos da natureza dentro dos ambientes.

Pesquisas recentes reforçam a hipótese de biofilia de Edward O. Wilson nos anos 80, na qual a satisfação pela natureza e sua inclusão em projetos aponta uma correlação positiva entre a exposição a espaços verdes e saúde mental, levando a uma restauração da atenção, alívio da fadiga mental, diminuição dos níveis de cortisol, aumento da criatividade e relaxamento.

O distanciamento da natureza e o excesso de tecnologia, por sua vez, vem gerando consequências significativas como obesidade, hiperatividade, inabilidade emocional, falta de empatia e resiliência e até diminuição da motricidade.

Em meio às ações recomendadas pelos órgãos governamentais, este torna-se o momento ideal para introduzir nas escolas espaços biofílicos e experimentados.

 

Espaços biofílicos e experimentados nas escolas

Especificamente nas escolas, por meio de uma nova configuração arquitetônica da sala de aula concomitante a uma nova forma de aprender, com maior envolvimento de alunos e professores, como gestores da aprendizagem, deixando-a de ser estática, para adotar um posicionamento atraente, motivador, aumentando a produtividade, engajamento e combatendo a monotonia de aprender.

A sala de aula no formato tradicional, mesmo que equipada com tecnologias digitais, precisa deixar de ser vista como o único local de aprendizagem.

Toda a escola precisa adotar um papel de ambiente facilitador do aprendizado, deixando, assim, de ter uma arquitetura estática, para ser um organismo vivo onde todos os lugares são propícios às aprendizagens.

A ideia de setorizações e funções específicas, precisa dar lugar à ideia de ambientes de desenvolvimento cognitivo integral. É preciso pensar na experiência, na ativação de todo os sentidos humanos, como oportunidades únicas e construtoras de conhecimento.

Os pátios, áreas de circulação, bibliotecas e terraços, podem e devem ser trabalhados com elementos que enriquecem a arquitetura dando aos estudantes possibilidades de experimentar, aprender, explorar e se encantar com as novas possibilidades.

É preciso que arquitetos desenvolvam projetos inovadores cuja função é inspirar alunos, professores e aprimorar a pedagogia ativa.

O distanciamento recomendado para a escolas é de pelo menos dois metros entre estudantes e professores, o que se torna impossível considerando uma turma de 30 alunos em uma sala de aula tamanho padrão com cerca de 50m².

Em contrapartida, adotando essa nova postura em relação aos ambientes de aprendizagem, uma sala de aula aberta para o exterior pode ser um facilitador para garantir essa distância mínima exigida, além de trazer outros benefícios como espaços mais ventilados e iluminação natural reguladora do círculo circadiano, o que influenciará efetivamente na qualidade de vida, concentração e desenvolvimento cognitivo das crianças.

A correlação positiva entre aprendizagem, arquitetura e maior envolvimento dos estudantes fornece configurações significativas para uma nova prática educacional, ainda mais atraente e motivadora.

 


Renata Ferreira
Arquiteta da Rede Batista de Ensino
MBA em Gestão de Projetos – FGV
Especialista em Arquitetura Escolar
Projetos para Ambientes de Trabalho pelo Mensch&Buro Akademie
Pós-graduanda em Neurociências – UFMG.

 

Revista Veredas Educacionais – agosto / 2020